No que creio e tento viver.

Entendo que a verdadeira rendenção espiritual não tem entre os seus agraciados aquelas pessoas que posam de santas e moralmente irrepreensíveis, tampouco aquelas que investem a sua vida em defender a doutrina melhor fundamentada em escritos ancestrais... vejo que ela é alcançada pelo pecador arrependido que, por assim se reconhecer e ciente de sua limitação, ousa não mais negociar com Deus o Seu favor mediante seus esforços pessoais mas, em um passo de fé, acredita na bondade intrínseca de seu Ser e nos méritos do Cristo crucificado e ressurreto respondendo à essa fé com uma nova postura, voltada à Deus e ao próximo sem fanatismos, dando assim sabor à sua vida e a dos que estão à seu redor neste mundo. E tudo isso é possível exclusivamente pela Graça de Deus, fruto de Seu amor por nós.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Reposta a um neo-evangélico

Há alguns dias atrás, em um fórum de debate evangélico, um debatedor ufanou-se do atual crescimento da igreja evangélica, desprezando o modo de ser do que chamou de "igrejinhas": mirradas, improdutivas e retrógradas. Por isso elaborei o texto-resposta que abaixo transcrevo:

Me lembro que antigamente o pessoal das "igrejinhas" do interior e das igrejas da cidade era respeitado. Palavra de crente era confiável, pastor era padrão de conduta moral a ser observado e os chamados "descrentes" depositavam sua confiança naquele vizinho crente que ia com a família de ônibus para o culto.

Estes abriam o seu coração para eles, pois eram gente que como eles, padeciam dos mesmos sofrimentos, mas os “descrentes” reconheciam que neles havia paz nas tribulações e uma esperança de vida que os fazia encarar as dificuldades com bom olhar, como obra de ensino de Deus para suas vidas.

Sabiam que seriam acolhidos e no máximo seriam gentilmente convidados a participar de um grupo de oração caseiro ou a uma visita a um culto de domingo. Sem forçar a barra e sem usar o juízo infernal que os esperava como instrumento de “conversão”. Só a solidariedade e o amor desses crentes, abria por si a porta para que o Espírito Santo operasse a conversão daquelas vidas.

E hoje em dia, que tipo estado de coisas assistimos?

Crente virou "evangélico", estratégia de marketing eclesial barato, para descolar a imagem de pobreza que as antigas "igrejinhas" impingiam.

Os líderes são um péssimo exemplo. Escondem dólares na bíblia; compram jatos; possuem casas no exterior; andam com carrões importados; cercam-se de seguranças; pedem despudoradamente dinheiro a torto e a direito; erguem impérios empresariais; alegam que Deus os orienta a tripudiar sobre a credulidade e voluntariedade de seus fiéis; equipam-se menos com amor e boa teologia e mais com instrumentos de manipulação de massas; omitem de seus seguidores-contribuintes os valores que a comunidade levanta, transformando a contabilidade da igreja em uma caixa-preta que só tem acesso quem faz parte do “esquema”.

Abdicaram da legitimidade da hermenêutica e da exegese bíblicas, passando a interpretação pessoal das escrituras e aliados à perniciosa teologia da prosperidade, trocaram a conversão genuína operada pelo ES pela adesão religiosa intelectual. Uma reengenharia igrejeira, uma emulação humana sobre a operação divina para manter essa estrutura com mais gente contribuindo para aumentar a arrecadação e o poder de influência política.

Ser pastor virou carreira empresarial, haja vista a quantidade de novas igrejas que se abrem como um franquia, repetindo os mesmos meios e partidos teológicos que “dão certo” sob uma bandeira (nome) diferente. Ninguém mais hoje encara o “ser pastor” como um chamado sob a qual dependa-se de Deus para cumpri-lo, mas sim como um meio de vida –por sinal em muitos casos um excelente meio de vida. O antigo sonho de ser um servo entre os servos virou o desejo de ser uma estrela que hipnotiza multidões.

Por isso as estratégias de aumento numérico dos seus seguidores, via G/M12 ou similares, estratégias de propósitos ou uso de diferenciais chamativos do tipo campanhas para qualquer finalidade material, viés rejudaizante nas expressões da pseudo-espiritualidade, e por fim uma alegada união dos “evangélicos” para a evangelização em massa, que esconde por trás nada mais que o fervoroso desejo dessas lideranças em tomar o poder temporal nas mãos, não povoando os céus, mas multiplicando seu curral eleitoral para barganhar votos na podre política de nosso país.

O convite ao “descrente” não é mais para uma reunião de oração em casa ou à um culto na igreja. O convite é para sair da miséria, ter a família restaurada, ter um emprego melhor, se juntar a uma organização formada só por vencedores, que seu líder é “o cara” e que se estiver sob a orientação desse semideus a vida do incauto vai ser “benção pura”, que para isso basta “aceitar Jesus” e tornar-se seguidor da igreja –não esquecendo que tudo isso não vai acontecer se não houver a entrega fiel dos dízimos e ofertas a igreja. Ou seja: o “descrente” vira um crente pagão, pois encontra nessa igreja os mesmos elementos que encontra em qualquer outra religião, em especial a barganha com a divindade.

O caráter essencialmente materialista dos neo-evangélicos torna-os mais fragilizados emocionalmente e espiritualmente que qualquer outra pessoa no mundo. Quando a inevitabilidade do fracasso, do erro, do engano e da morte os atinge denunciando o engodo de sua crença (posto que fé é outra coisa conceitualmente), tornam-se seres infantilizados diante das calamidades da vida. Não raro muitos se “desviarem”, outros tornarem-se ateus e outros ainda voltarem a suas crenças de origem.

Segundo essa lógica obtusa, de que as igrejinhas de nada valeram, parece-me que a vista dessas coisas, os espertalhões de hoje identificaram algo que essas igrejas possuíam e que sobre ela ergueram um império, a custa da destruição da própria matéria-prima: idoneidade espiritual.

Em resumo: a igreja de hoje promete algo que não pode entregar, vende o peixe que não tem. Está muito longe de voltar a ter a idoneidade as “igrejinhas” e mais ainda de conseguir compreender a profundidade da mensagem do evangelho. O evangelho não faz a suspensão do curso da vida sobre um mundo afetado pelo pecado, mas discerne o que vale e o que não vale a pena praticar, e isso é um exercício diário de desenvolvimento de nossa salvação na dilatação de nossa consciência sobre nossos valores e limites. E quando isso se instala em nós, evangelizar é tão natural quanto respirar ou comer, sem a necessidade da elaboração de estratégias mirabolantes ou planejamentos de metas.

Quem opera a conversão é o Espírito Santo. Nós somos apenas aqueles que testemunham da eficácia do evangelho, posto que até mesmo nós somos dispensáveis nesse processo, se assim Deus determinasse.

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