Drão !

Ontem, já deitado para dormir e liguei o rádio para ouvir uma boa música, relaxante. Há um bom tempo não ouço mais aquelas rádios gospel imbecilizantes, com músicas de letras rasas, onde a interpretação varia de orgasmos, passando pelo falsete e chegando a aspirantes a cantores de pagode. Como é bom poder usar a capacidade de entender o que se ouve !

Já estava quase caindo no sono, aquele estado de “não sei quem sou, nem onde estou... que se dane” quando começou a tocar Drão, de Gilberto Gil. Entre sentimentos de nostalgia e prazer, minha atenção foi canalizada para o aspecto da verdade contida nela, frente a revelação de Deus pela sua Palavra.

Existe uma forte relação entre o trigo e a vida nos evangelhos como metáfora. Jesus recorreu a esse expediente para demonstrar como a vida demanda de nós realizarmos aquilo que para qual fomos criados. Como o trigo.

No caso da letra dessa música, enxergo como nossa vida só tem sentido pleno se ela morrer. Não haverá mais trigo se sua semente não for sepultada na terra. Exatamente como Jesus nos convida: negar-nos a nós mesmos. Outro aspecto é que a semente só brota se plantada na terra, onde dali receberá os nutrientes necessários para florescer para uma colheita.

O evangelho de hoje anda dissociado da realidade. Queremos dar “frutos” mas queremos ser plantados no céu e não na terra. Isso embute uma idéia para que “Jesus” seja proclamado, deve-se andar em outros terrenos que não a da vida. Ser plantado na terra ? Nunca ! Vou me sujar com ela, vou ficar cheirando a esterco, as minhocas podem me comer. Melhor é ficar aqui, dentro da caixa dos grãos. Sequinha e inerte. Como as igrejas de hoje.

Mal sabem eles que da aparente "sujeira da terra", é de onde se retira a compaixão, a compreensão do outro, a aceitação do diferente. É também de onde aprendemos a tolerência e a celebrar as pequenas vitórias do dia-a-dia. Aprendemos a olhar e entender a vida com outros olhos, os olhos de Jesus.

Outro aspecto é que o trigo é o principal ingrediente da mais básica fonte do alimento do mundo. O pão. Para fazer-se o pão, o trigo é moído até virar pó e, misturado a água (no caso do pão da época de Cristo) e assado. Só a partir daí é consumido.

Olhando aquela massa, não vemos trigo, não vemos água, vemos o produto final que vai matar a fome. Da mesma maneira, somos moídos pela vida, pelo cotidiano. Somos afligidos, sofremos carências, vivemos experiências. Alie-se a isso a água da Palavra e também a água da vida, Jesus. Assim nossa vida, como pão a ser servido, se molda.

Aqueles que estão a nossa volta precisam comer do pão que é feito da nossa vida a cada dia pelas mãos do Pai. Só assim, nossas experiências servirão de consolo, aprendizado e desafio para nossos semelhantes. Viver como trigo é uma forma de amar, senão a única.

Muitos hoje querem ser apóstolos, profetas, bispos e pastores. Poucos querem ser trigo. Como diz a música “Se o amor é como um grão! Morre, nasce trigo. Vive, morre pão”, quero ser trigo. Morrendo ou vivendo, mas servindo ao meu semelhante.