No que creio e tento viver.

Entendo que a verdadeira rendenção espiritual não tem entre os seus agraciados aquelas pessoas que posam de santas e moralmente irrepreensíveis, tampouco aquelas que investem a sua vida em defender a doutrina melhor fundamentada em escritos ancestrais... vejo que ela é alcançada pelo pecador arrependido que, por assim se reconhecer e ciente de sua limitação, ousa não mais negociar com Deus o Seu favor mediante seus esforços pessoais mas, em um passo de fé, acredita na bondade intrínseca de seu Ser e nos méritos do Cristo crucificado e ressurreto respondendo à essa fé com uma nova postura, voltada à Deus e ao próximo sem fanatismos, dando assim sabor à sua vida e a dos que estão à seu redor neste mundo. E tudo isso é possível exclusivamente pela Graça de Deus, fruto de Seu amor por nós.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Diversas conversões

por Ricardo Gondim

Já me converti várias vezes. Fui católico nominal e virei presbiteriano-reformado-calvinista. Depois migrei e ganhei o título de assembleiano-pentecostal-clássico. Mas o processo nunca parou. Experimentei mudanças bruscas em minha crença sobre milagre: saltei das orações despretensiosas e formais para agonizar de joelhos e ter intervenções divinas que resolvessem problemas, meus e dos que me pedissem ajuda.

Na maturidade, houve outras mudanças em minha caminhada religiosa. Abandonei projetos grandiosos, “billygrahaminianos”, de impactar o mundo; perdi ideias românticas sobre a “verdadeira igreja”; desiludi-me com as afirmações absolutas da teologia sistemática que pretende catalogar de forma exaustiva o que se deve saber sobre Deus e o mundo vindouro; desencantei-me com as lógicas da espiritualidade engrenada de “causa e efeito”; fugi da beligerância dos apologetas da “reta doutrina”.

Alguns amigos, inquietos com a minha rota, questionam se não há retorno, se estou mesmo decidido a permanecer no processo de repensar a fé e a espiritualidade. Pelas marretadas que já levei, pelos companheiros que já perdi e pelas censuras que já sofri, confesso que fui tentado a reconsiderar. Entretanto, voltar atrás, neste caso, seria um retrocesso covarde. Tudo o que entusiasma pede para ser aprofundado, alongado, problematizado, nunca esvaziado.

Para apagar o que absorvi sobre a relação com Deus:

Eu precisaria negar que a mais linda revelação do evangelho é o esvaziamento de Deus na encarnação; Eu precisaria afirmar que as portentosas narrativas bíblicas de milagre são jornalísticas e que servem para convencer os incrédulos de que Deus é poderoso; Eu precisaria insistir em dizer que as condições sub-humanas dos que vivem em monturos de lixo fazem parte de um um plano traçado por Deus antes da criação. Não consigo imaginar-me falando: “Deus é soberano e decidiu que eles viveriam assim; e os porquês da Providência, só saberemos na eternidade”. Eu precisaria pregar que Deus está em controle de todas as coisas, inclusive do estuprador que matou a adolescente, do fornos crematórios de Auschwitz, das machadadas que dizimaram Ruanda e da estupidez de Pol Pot no Camboja, que executou dois milhões de inocentes. Eu precisaria escrever revistas de escola dominical para mostrar que as crianças são perversas, mentirosas, verdadeiras víboras em gestação, e que elas devem se arrepender o quanto antes e “aceitar Jesus” para não terminarem prematuramente no inferno. Eu precisaria ensinar que sem o credo confessional dos evangélicos bilhões arderão no enxofre e que Deus se sentirá feliz e vingado ao ouvir o choro e o ranger de dentes dos condenados por toda a eternidade. Eu precisaria postar textos na internet sobre o “direito” do Oleiro matar os miseráveis no Haiti. Teria de insistir que somos barro sem autoridade de questionar os atos do Senhor. Precisaria teimar no “mistério insondável” de Deus escolher exatamente os mais pobres para derramar o cálice de sua ira; e que é meu dever arregaçar as mangas e amenizar o sofrimento dos que foram vítimas do ódio de Javé, sempre ofendido pelo pecado.

Como não consigo voltar a essas lógicas, só me resta prosseguir na compreensão de Deus com outras premissas. Através de Jesus, tento entender o Divino. Como o Deus invisível nunca se deixou ver por ninguém, tenho apenas o rosto, as palavras e os gestos de Jesus para intui-lo. Faço revisão teológica sem grandes pretensões, não intento formar nenhum movimento, quero tão somente ser honesto com minhas, só minhas, inquietações.

Sim, pretendo experimentar novas conversões. De passo em passo, alargar meus parcos conhecimentos e minhas estreitas convicções. Mas como o Divino é oceano mais imenso que a soma das galáxias, tenho muita transformação pela frente.

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