No que creio e tento viver.

Entendo que a verdadeira rendenção espiritual não tem entre os seus agraciados aquelas pessoas que posam de santas e moralmente irrepreensíveis, tampouco aquelas que investem a sua vida em defender a doutrina melhor fundamentada em escritos ancestrais... vejo que ela é alcançada pelo pecador arrependido que, por assim se reconhecer e ciente de sua limitação, ousa não mais negociar com Deus o Seu favor mediante seus esforços pessoais mas, em um passo de fé, acredita na bondade intrínseca de seu Ser e nos méritos do Cristo crucificado e ressurreto respondendo à essa fé com uma nova postura, voltada à Deus e ao próximo sem fanatismos, dando assim sabor à sua vida e a dos que estão à seu redor neste mundo. E tudo isso é possível exclusivamente pela Graça de Deus, fruto de Seu amor por nós.

domingo, 19 de abril de 2009

Sobre campanhas de jejum

Inicia-se hoje uma campanha de jejum e oração promovida por uma igreja histórica muito conhecida no Brasil pelo seu ardor missionário, onde o pastor-presidente é um dos maiores incentivadores de missões, com obras publicadas sobre o tema. Conheço a igreja e o pastor, posto que fui membro e ajudei na liderança dela.

Meu intuito é fazer uma reflexão sobre essa moda no meio evangélico de conclamar períodos de jejum e oração, supostamente ordenado por Deus a um líder, sobre objetivos específicos (geralmente de obtenção de bençãos e cumprimento de metas numéricas, onde nunca ouvi que se conclamasse uma campanha para denunciar o pecado individual ou coletivo).

Os contextos do antigo e do novo testamento para esse assunto devem ser bem situados para que não corra-se o risco de desprezar essa prática, recomendada por Jesus nos Evangelhos ou exacerbá-la, a ponto de restaurar a prática deste na lei, cumprida e abolida em e por Cristo.

Cataloguei que a bíblia, na versão Revista e Atualizada, menciona o ato de jejuar em cerca de 40 passagens. Nos livros do pentateuco não há orientação dada por Deus para que se jejuasse sobre algum tipo de motivo específico. Mas vemos nos livros históricos, nos poéticos e nos proféticos relatos onde se jejuava coletivamente em virtude de motivos específicos.

Vale lembrar que a prática do jejum como instrumento de sensibilização da consciência humana e em alguns casos, até da alteração do estado de consciência, é anterior até mesmo à Abraão. Era costume ritual dos povos que habitavam na terra, onde vemos essa prática no hinduísmo, uma das religiões mais antigas da humanidade (inclusive ao judaísmo) e que disseminou vários conceitos espirituais no oriente e na Europa antiga, influenciando as civilizações contemporâneas a Israel.

O jejum, dependendo da cultura religiosa, era utilizado como um meio de fortalecimento espiritual, de reconhecimento da autoridade divina, obtenção do favor das divindades, para sensibilização da consciência (ouvir a voz interior) ou para elevação da alma.

Vemos no VT o jejum ser encarado como uma prática habitual com esses propósitos anteriormente elencados no meio de Israel. Havia inclusive um dia anual de jejum para que o povo exercitasse essa disciplina. Mas nunca iremos ver nessas passagens DEUS chamando o povo para jejuar e obter dEle benesses. O jejum sempre foi um ato do homem em direção a Deus.

Agora alguns podem perguntar: e os trechos de Isaías 57:5 e Zacarias 8:19? Deus ali não está chamando o povo ao jejum? Vamos ver o contexto dessas passagens:

Isaías 57:5 – Deus através do profeta alerta para que o povo se arrependa e que não utilize o jejum de maneira ritualística, uma vez que essa prática já disseminada na cultura judaica não representava para eles esforço algum. Pediu outro jejum no v. 6: o jejum da maldade, libertando os escravizados. Esse sim seria um jejum que mexeria com as estruturas perversas da maldade pessoal e coletiva de Israel.

Zacarias 8:19 – Deus, penetrando na cultura e nos costumes judaicos, restaura a alegria dos meses de festa que se tornaram, pelo pecado, em períodos de jejum regados a pranto e dor.

Se expandirmos mais o conteúdo que a bíblia revela sobre o jejum, face à revelação maior que é a de Deus e Seu caráter, poderíamos dizer que Deus não gosta que o homem sofra mais do que o sofrimento que próprio pecado e o diabo já lhe impõem. Vemos que o que ele aceita não são as ações religiosamente corretas, mas o que de maneira voluntária brota de um coração quebrantado.

Já no NT vemos Jesus jejuando e também falando sobre jejuar no caso daquele endemoniado (apesar dessa frase atribuída a Jesus não constar nos melhores originais a disposição para estudo) ou quando afirma que, quando ele fosse afastado dos seus, estes jejuariam. Alguns mencionam que em Atos 9:9 que Paulo jejuou, mas não é possível entender isso pelo contexto do trecho.

Mesmo no texto de atos 13:2, não é possível afirmar que o Espírito Santo só lhes falou sobre separar Saulo para a obra só porque estavam jejuando. Até porque no contexto anterior a essa passagem não há a menção a nenhum tipo de conclamação à necessidade de jejuar para tal fim ou outro que estivesse em evidência.

Então, diante de tudo isso, que posso dizer sobre isso de consciência limpa diante de Deus e dos homens ?

Posso afirmar sem dúvida que o jejum é uma disciplina da vida espiritual do homem, independente de seu credo ser no Deus de Israel ou em outra divindade etérea. E que nem por isso foi relegado pela revelação de Deus ao homem, tampouco revogado pela nova aliança em Cristo.

Pelos relatos bíblicos vejo que o ato de jejuar sempre parte da iniciativa humana, não vendo Deus pedir renúncia alguma ao homem nesse sentido, aceitando esse “sacrifício” desde que parta de um coração quebrantado e contrito, disposto a renunciar não só ao alimento ou aos prazeres, mas essencialmente à maldade e a perversão que habitam o coração humano.

Entendo que, à luz do NT e entendendo o contexto cultural do VT, o jejum nos nossos dias é um ato pessoal facultativo de ser realizado, pois é algo entre o homem e seu Deus (como sempre o foi). E, em sendo assim, não é um sacrifício, mas um prazeroso ato de devoção individual. Deus se relaciona conosco individualmente dando-nos seu Espírito e sua Palavra, assim cada um deveria ter consciência sobre os limites do porque, quando e como fazer seu jejum.

Quando se alardeia que uma comunidade está conclamada para jejuar e orar, damos oportunidade para que, ao invés dessa devoção pessoal levar o homem a seu aperfeiçoamento em amor ( transformando-o em testemunha viva de Cristo que é o principal instrumento de mudança da sociedade), exteriorize-se o espetáculo de performances. Cada um faz mais “cara de santo” que o outro que, nessas campanhas, ganha a cara da fome corrompendo o espírito daquilo que Cristo ensinou em Mateus 6:16-18:

16 Quando jejuardes, não vos mostreis contristados como os hipócritas; porque desfiguram o rosto com o fim de parecer aos homens que jejuam. Em verdade vos digo que eles já receberam a recompensa.
17 Tu, porém, quando jejuares, unge a cabeça e lava o rosto,
18 com o fim de não parecer aos homens que jejuas, e sim ao teu Pai, em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará.

Não vejo Jesus evidenciar nada além daquilo que lemos com relação ao jejum. Não indicou que o jejum seja o cinto de utilidades do batman, nem que tal prática enfraqueça o inimigo, tampouco que o jejum anula a graça e muito menos que é um rito que emana poder para quem o realiza. Ainda que o contexto do trecho leve a interpretação de que o jejum ajustaria o foco em meio ao caos. Tampouco Paulo sequer mencionou em seus escritos conhecidos as bases espirituais que justificariam ou não a prática do jejum.

Os discípulos não montaram uma doutrina sobre o que Jesus supostamente teria afirmado sobre o jejum e a expulsão do demônio. Afinal, tirando uns dois ou três, o restante eram pessoas de parco conhecimento teológico para a época. Jesus só falou: jejuem. Nada mais. É uma recomendação do Mestre. E que deveria ser seguida sem maiores questionamentos ou tentativas de explicar a revelação. Se é revelação, não se explica. Se se explica, deixa de ser revelação.

Esse tipo de jejum, das campanhas e convocações, considero-as como o jejum do aflito. Daquele que acha que pode ajudar Deus a ajudá-lo ou para atingir metas que imagina serem de Deus, quando na realidade são somente planos humanos, ainda que com boas intenções. Um aflito quer ver suas “causas” atendidas, mais que a necessidade de comer ou ter a paz que excede a todo entendimento, que no fim é o árbitro nos corações. Essas campanhas via de regra não mudam o ser. Não mexe com suas entranhas. Não expõe para si sua maldade e o impede de experimentar o Amor e a Graça que para todos basta.

Jejum é um ato de cumplicidade com Deus. Não há como jejuar com inteireza de coração se não houver amizade, ou pelo menos sinceridade, com Ele. Jejum deveria ser como quando a gente separa um tempo para estar com a esposa ou com o marido: sem pressa, sem filhos batendo na porta, com tempo de doação mútua (certamente Deus está sempre a nossa disposição para termos esse profundo nível de intimidade com Ele), como num refúgio escondido. E que ninguém precisa ficar sabendo da “tarde de prazeres” que tiveram. É um momento guardado para si somente.

Sobre a campanha, em que pese meu apreço ao pastor que a promove e o fato de por muitos anos ter servido à Cristo ali sob seu pastoreio, discordo com o método e as metas apresentadas, ambas alinhadas com as aspirações dos moveres expansionistas, onde optou-se por seguir o que dá certo em detrimento do que é o certo, no meu modo de entender.

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