Texto de meu mentor, Carlos Bregantim.
O palco é um chão conhecido dos artistas, dos preletores, dos palestrantes, dos advogados, dos promotores, dos políticos, dos religiosos, e neste caso, dos rabinos, padres, pastores, bispos, e agora, é comum também ocuparem os palcos/púlpitos, os apóstolos da era pós-moderna da igreja. No caso dos ocupantes não religiosos, parece que a performance é algo a ser buscado com afinco, muito ensaio, muito treino, muito preparo, se possível, com pós-graduações, mestrados, doutorados e até pós-doutorados. Quanto mais preparo, melhor. Este esmero em se capacitar, certamente, resultará em aplausos, promoções, melhores remunerações, conforto pessoal, riqueza, fama e claro, poder, muito poder. Nem sempre é necessário, neste palco, neste chão, preocupações com a pratica do que se ensina, representa, defende, nestes casos, só a performance no discurso, na retórica, na defesa da tese, na argumentação, já acrescentam benefícios, reconhecimento, dividendos os mais variados. E isto não é pecado, isto é, não é errado e nem a que se preocupar com escrúpulos exagerados, já que, o mercado tem suas regras, seus valores, e hoje cada vez mais, menos absolutos. Em resumo, neste CHÃO DO PALCO, a performance é tudo. Nem a porque se angustiar com o CHÃO DA VIDA. Agora, acho que temos um problema, pois, à medida que os ocupantes dos PALCOS/PULPITOS dos religiosos, cada vez mais se igualam aos do mercado, isto é, os que discursam nos templos, hoje se preocupem também com a performance do palco, com retóricas cada vez mis agradáveis aos ouvidos ou pior, contundentes, mas que não passam de discursos vazios. Os temas são cada vez mais explorados e aprofundados. Não importa a essência e se bíblicos ou não, importa que sejam bem colocados, bem expostos, bem articulados, uilizando-se todos os recursos tecnológicos para que todos compreendam , entendam, captem bem as idéias, as teses, os temas, as reflexões que hoje se misturam com filosofia, psicologia ou psicanálise, sociologia, e outras ciências e conhecimentos que são utilizados para agregar valor ao discurso, sermão, pregação, chame como quiser. Chama atenção, no entanto, que estes discursos não aterrizam no CHÀO DA VIDA. No CHÃO DA VIDA das pessoas, de gente, de seres humanos que entram e saem destes auditórios e nunca passam de auditórios manipulados por estes magníficos discursos. Gente que entra anônima, ouve anonimamente e saem anônimas, isto é sem serem notadas, valorizadas, reconhecidas e cuidadas. Gente que sai do CHÃO DO PALCO de um auditório e vai para o CHÃO DA VIDA que é uma verdadeira tragédia para muitos, e para a grande maioria, não faz nenhum sentido, pois, não conseguem aplicar na vida o que ouviram nos palcos. Pessoas que ao saírem dos templos vão para os pontos de ônibus, metro, trens, e já na viagem de volta, se vêem desafiados a enfrentar uma realidade que não foram contempladas nos discursos ouvidos nos palcos dos templos. Voltam para casa alugada, financiada, emprestada ou mesmo alguns que não tem casa para voltar. Voltam para os cortiços, favelas, nas periferias das grandes cidades. Outros que, mesmo tendo seu carro no estacionamento do templo que foram, deparam-se com a angustia de um lar quebrado, casamento falido, filhos desgovernados, pais alcoólatras, mães abandonadas, maridos feridos , desempregados, profissionais esgotados, espoliados por seus patrões, patrões tendo que pagar propinas, subornar, jogar com as leis do mercado e atender a ganância do governo em arrecadar impostos e do mercado que é cada vez mais agressivo e sem pudores quanto às ambições. CHÃO DA VIDA onde tudo acontece não é assunto no CHÃO DO PALCO,e quando é, quase nunca é como deve ser. A distancia entre esses palcos,aumenta cada dia. Hora é comum discursos que tentam transcender tudo,e hora discursos que tentam contornar a fé com a vida na pratica. Não tenho uma solução para diminuir essa distancia, mas, parece que, se retornarmos ao evangelho e seguir a agenda do Reino, ou seja, a agenda de Jesus, poderíamos nos aproximar do real. Da realidade da vida de muitos, quem sabe de todos. É confortável demais o CHÃO DO PALCO onde um fala e todos ouvem. Sem chances para retrucar, discordar, interagir, trazer a tona questões praticas. No CHÃO DA VIDA, todos falam, reclamam, opinam, reagem, pois, afinal, é onde a vida acontece pra valer. É no CHÃO DA VIDA que as pessoas estão de fato. É onde tudo aterriza. É ali onde as famílias lidam com suas questões mais intrincadas. É ali onde os homens e mulheres vivem suas complexidades de alma. É ali onde os maridos sofrem as mais variadas pressões do mercado para ganhar o pão de cada dia. É ali onde as mulheres são obrigadas a deixarem seus filhos em creches, berçários, escolas de tempo integral ou sabe Deus onde, para compor o orçamento da família ou mesmo para bancar a casa no desemprego do marido ou mesmo por ter sido abandonada. É no CHÃO DA VIDA que os jovens enfrentam as seduções mais variadas. Enfrentam os primeiros passos no mercado de trabalho disputado a qualquer preço. É no CHÃO DA VIDA que os temas mais difíceis, complexos, como o sexo fora do casamento, o homossexualismo, o aquecimento global, as negociações mais escusas acontecem. É no CHÃO DA VIDA que esta a pobreza, a miséria, a injustiça, a violência, a bala perdida que mata gente inocente. Bem, não sei, mas, a impressão que tenho, é que, o CHÃO DO PALCO, de todos os palcos, inclusive da chamada IGREJA, esta cada vez mais distante do CHÃO DA VIDA. De todos os palcos, penso que, PALCO DA IGREJA, deveria ser rebaixado ao chão da vida onde a vida acontece. Penso que as luzes do palco deveriam ser apagadas definitivamente. Penso que o aparato tecnológico que produz as performances do palco deveriam ser transformados em recursos para as pessoas que precisam destes recursos para viverem cada dia. Penso que os discursos do palco deveriam ser traduzidos em ações praticas em favor de gente. Penso que as discussões vazias, embora, com cara de coisa seria, deveriam ser estancadas e redirecionadas à posturas mais dignas em favor dos que padecem nesta terra de meu Deus. Penso que nossas picuinhas, melindres, e outras sensações que nos acometem deveriam ser convertidas em compaixão, misericórdia, perdão, graça e gestos de amor escancarado. Como é gostoso saber que Jesus raramente usou o CHÀO DO PALCO, mas, fez da vida seu palco maior. Que bom seria se nós, seus seguidores, se é que somos de fato, ambicionássemos mais, muito mais, o CHÃO DA VIDA e nos deixássemos ser consumidos por aqueles que ali estão. Tomara sejamos exorcizados deste demônio que nos seduz ao CHÃO DOS PALCOS, das luzes, das performances, do estrelato. Tomara a verdadeira igreja de Cristo, que esta ai , na vida de muitos, cresça e nunca apareça em nenhum palco. Que esta igreja continue anônima, desconhecida, diluída no meio das pessoas e desapareça como o sal deve desaparecer e dar sabor à vida de muitos e quem sabe de nós mesmos.
Graça, paz & bem a todos.
Carlos Bregantim
Inverno/2007
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